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Natural Resource Governance around the World

English version: Land Policies and Agrarian Reform. Proposal Paper. Part I. How might access to land be guaranteed in conformity with the interests of the majority of the population? (4 of 5)

Caderno de propostas. Políticas fundiárias e reformas agrárias. Parte I. Segunda Questão: como garantir um acesso à terra segundo o interesse da maioria da população? (4 de 5)

As reformas agrárias

Documents of reference

Merlet, Michel. Caderno de propostas. Políticas fundiárias e reformas agrárias. Versão em português. Dezembro de 2006. (Baixar o documento em português)

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4. As reformas agrárias

Uma distribuição muito desigual da terra desencadeia, inexoravelmente, conseqüências negativas, tanto no plano social e político, com sua onda de pobreza e revoltas, quanto no plano econômico65. Não só a utilização dos recursos fundiarios não é otimizada, como também o mercado interno vê seu desenvolvimento bloqueado pelo baixo nível de vida dos minifundistas, arrendatários e parceiros. Uma redistribuição das terras de forma rápida e importante torna-se então necessária antes de qualquer outra intervenção, de maneira a criar unidades menores, melhores adaptadas a fim de valorizar a terra e/ou limitar o peso da renda da terra sobre os produtores. É esta redistribuição que se chama reforma agrária.

No decorrer da história aconteceram inúmeras reformas agrárias que tiveram características diversas segundo a época e a região. Mas foram chamadas « reformas agrárias » intervenções de natureza muito diferentes, nas quais a redistribuição das terras a pequenos produtores não ocupavam mais o centro e que não tinham mais nada a ver com o conceito de reforma agrária.

  • Assim, os processos de colonização das terras virgens foram, muitas vezes, abusivamente qualificados como reforma agrária na América Latina ;66

  • As reformas agrárias socialistas na União Soviética e na maior parte dos países do Leste Europeu conheceram um período inicial de redistribuição das terras das grandes fazendas que foram seguidas por um processo de coletivização mais ou menos avançado. Um outro uso abusivo do termo apareceu então: continuou-se a falar de reforma agrária mesmo quando a fase de redistribuição não acontecia mais, quando havia de cara a criação de fazendas do Estado a partir das terras desapropriadas. Entretanto, esta simples mudança de proprietários acontecia sem grandes mudanças na estrutura de produção e a implicações econômicas e políticas eram diferentes daquelas de uma verdadeira reforma agrária que efetua uma redistribuição da terra.

Uma vez clarificado este ponto essencial, podemos examinar com menos riscos de errar as dificuldades e as condições de sucesso das reformas agrárias.

Os fracassos mais ou menos importantes de numerosas reformas agrárias levam, hoje, um certo número de analistas a concluir que essas intervenções não se justificam em função do custo elevado, econômico e político et de seus insignificantes resultados.

Não compartilhamos esta opinião: é fácil mostrar que as verdadeiras reformas agrárias permitiram mudanças de uma grande importância nos países que as implantaram e que elas estiveram na origem de processos de desenvolvimento vigorosos. Foi o caso no México, em menor escala na Bolívia, mas também na Europa do Sul, na China, no Vietnã, em particular com as políticas recentes de auxílio às agriculturas familiares neste país67.

Existe uma grande quantidade de escritos sobre as reformas agrárias, mas curiosamnete poucos permitem realmente tirar ensinamentos das experiências anteriores. Não é possível, no âmbito deste caderno, abordar todas as situações que originaram reformas agrárias: quantas diferenças (contextos, modalidades) entre a reforma agrária de Taiwan e a da Nicarágua, entre a do México e aquela do Zimbábue!

É possivel caracterizar as reformas agrárias de maneiras diferentes68, por exemplo:

  • Em função do tipo de estrutura agrária que elas modificam. Latifúndio / minifúndio como na América Latina, ou sistemas de grandes propriedades trabalhadas por parceiros ou arrendatários, como na Ásia do Sudeste.

  • Em função de sua origem. Assim, na América Latina, temos que distinguir as reformas agrárias anteriores à revolução cubana, como a mexicana que era o produto de um poderoso movimento camponês e aquelas que foram impulsionadas pela Alianza para o Progresso com o objetivo de barrar o desenvolvimento dos movimentos revolucionários no continente, como a hondurenha e muitas outras. Num mesmo país como a Polônia, poderemos encontrar reformas agrárias sucessivas com objetivos e conteúdos completamente diferentes69.

  • Podemos também diferenciá-las em função das indenizações pagas aos proprietarios que variaram de zero (reforma agrária cubana) a somas podendo ultrapassar o valor comercial das terras (como no Brasil, numa época recente)

Como para as outras partes do caderno, nosso objetivo limita-se a iniciar um processo de análise que possa contribuir à implantação de políticas mais eficientes e que possa ser prosseguido pelos interessados e, particularmente, pelas organizações camponesas.

Nós nos apoiaremos em alguns exemplos que são temas de fichas detalhadas, na segunda parte do caderno (Taiwan, Polônia, Albânia, Zimbabwe) e, especialmente, na comparação das reformas agrárias de Honduras e da Nicarágua (fichas # 8, 9 et 10)

Uma questão vem imediatamente à tona para quem observou a evolução recente destes dois países centro-americanos: como uma parte considerável dos resultados de reformas agrárias, que tinham sido o produto de numerosos anos de lutas e de esforços, pode ter sido varrida em alguns anos, após uma mudança política e a aplicação de políticas neoliberais?

Sem retomar aqui em detalhe os elementos que nós desenvolvemos na ficha # 10, podemos tirar destas experiências os ensinamentos seguintes.

  • Muitas reformas agrárias não levaram em conta o fato que as estruturas agrárias modificam-se em permanência e que uma certa mobilidade da terra é necessária para que as unidades familiares ou cooperativas implantadas sejam viáveis.

  • Elas quiseram impor esquemas de produção coletiva que não correspondiam às reivindicações dos camponeses pobres e desdenhavam as vantagens da produção familiar.

  • Elas foram aplicadas de cima pelos Estados, usando as organizações camponesas como instrumentos a fim de aplicar modelos que não eram o produto das lutas camponesas.

  • Elas trataram o setor reformado a parte, colocando-o sob a proteção do Estado, com um regime fundiário específico e especializando as organizações camponesas que nela trabalhavam. Fazendo isso não permitiram a implantação de processo de aprendizado coletivo de gestão da terra, que seriam necessários no futuro para preservar as conquistas e dividiram os movimentos camponeses.

  • Enfim, não houve coerência entre políticas de reforma agrária e política econômica. Quando as obrigações que pesavam sobre os modos de organização forma retiradas, quando as cooperativas dividiram-se na Nicarágua, por exemplo, o abandono brusco das subvenções e do crédito estrangulou literalmente economicamente os beneficiários da reforma agrária.

Neste sentido, as reformas agrárias da Nicarágua e de Honduras são radicalmente diferentes da do México do início do século passado.

O caso de Taiwan é particularmente instrutivo em relação ao último ensinamento do qual falávamos: a reforma agrária neste país soube articular políticas econômicas e transformações agrárias, tomando o cuidado de proteger, pelo menos temporariamente, os novos proprietários dos efeitos do mercado, atrasando a mecanização pesada para poder retirar os benefícios dos investimentos em trabalho por parte dos camponeses (ver a ficha correspondente na segunda parte).

Os mecanismos usados para implantar as reformas agrárias, o lugar e o papel respectivo das organizações camponesas e do Estado e, enfim, a articulação da reforma agrária com as políticas públicas agrícolas constituem, portanto, fatores essenciais para seu sucesso.

O exame das evoluções posteriores dos « setores reformados », das tendências e dos riscos de « contra-reformas » permite entender melhor a reforma agrária como um processo que intervém nas relações de força e nas dinâmicas e que deve, por isso, poder antecipar a respeito das evoluções porvir, num contexto onde o Estado não será mais tão poderoso. Uma reforma agrária é sempre uma intervenção política. Pouco importa avançar lentamente, se após as primeiras medidas, a situação é mais favorável do que antes a um aprofundamento das transformações agrárias. Mais difícil a situação, maior será a necessidade da reforma agrária (ver a ficha # 4 sobre o Zimbabwe, segunda parte do caderno), mais importantes serão estas estratégias.

O exemplo do Movimento dos Sem Terras no Brasil é particularmente instrutivo nestes aspectos de estratégias de luta. Este movimento conseguiu, graças a sua organização, a sua combatividade e a sua estratégia, a colocar a questão da reforma agrária na ordem do dia da agenda política no Brasil e a impulsionar uma reforma agrária a partir da base. Desde a sua fundação em 1985, 250.000 familias obtiveram direitos de uso sobre mais de 7 milhões de hectares graças às ocupações de terra impulsionadas pelo MST70. Também mostrou a necessidade, hoje, de construir alianças com os setores urbanos para poder avançar. Soube, também, evoluir no que diz respeito à maneira de organizar os assentamentos, acordando cada vez mais espaços ‘sa produção familiar e renunciando aos dogmas coletivistas71.

Estes exemplos ilustram o fato que, para poder transformar de forma sustentável as estruturas fundiárias, é preciso evitar negar a existência dos mercados fundiários e, ao contrário, criar mecanismos permitindo controlar suas evoluções.

O Banco Mundial propõe, há alguns anos, um modelo alternativo à reformas agrárias de ontem, que ele chamou « reforma agrária assistida pelo mercado » e depois, « reforma agrária baseada na comunidade »72. Desejando articular « reforma agrária » com mercados, estas propostas parecem levar em conta uma das fraquezas das reformas agrárias que analisamos anteriormente. Mas, elas limitam sua ação a intervenções que exigem o acordo mútuo das partes.

Retomemos exatamente o que um texto do Banco Mundial propõe no que dia respeito à reforma agrária:

« principios de base para uma reforma agrária bem sucedida (i) ser voluntária e baseada em decisões descentralizadas dos propriétarios de terras e dos beneficiados potenciais [negociar a aquisição das terras] com um mecanismo que permite assegurar-se que os preços não aumentarão artificialmente do fato do programa; (ii) incorporar uma parte de subvenção fungível, utilizável para a compra da terra ou para investimentos associados (iii) estar associada a um plano de investimentos e a um projeto econômico e financeiramente viável antes da instalação sobre a propriedade (iv) estar ligada a um componente de formação e de fortalecimento das capacidades de organização; e (v) estar suficientemente barata para poder ser reproduzível no contexto fiscal so país (ou financidad com impostos)»73.

Não se trata mais, então, de reforma agrária, mas sim de uma intervenção sobre os mercados fundiários. E ainda, só se trata de uma intervenção relativamente menor já que se contenta em permitir o financiamento por um empréstimo da operação de compra e subvencionar a instalação dos beneficiados.

É com razão, então, que as organizações da Via Campesina nas Filipinas, no Brasil, em Honduras e em outro lugares levantaram-se com vigor contra este novo uso abusivo da palavra reforma agrária e contra a intenção de substituir as verdadeiras reformas agrárias por um dispositivo completamente de outra naturaleza. Inclusive, parece hoje, cada vez mais claro que as experiências iniciadas não alcançarão os resultados anunciados.

Uma reforma agrária não é uma intervenção permanente nos mercados fundiários, destinada a torná-los menos segmentados. É uma medida de exceção que atende a uma situação que não encontra solução satisfatória através do mercado. Se mecanismos do tipo dos quais o banco Mundial promove podem apresentar um interesse real, permitindo um aprendizado de intervenções nos mercados fundiários por parte de organizações camponesas ou do Estado, eles não podem substituir uma reforma agrária quando a estrutura agrária exige uma intervenção radical, como no que diz respeito ao Brasil.

Esses comentários nos levam naturalmente a examinar agora as políticas de intervenção permanente nos mercados fundiários, onde a reforma agrária não é necessária.

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65 ver entre outros a argumentação de STIGLITZ, Joseph. Distribution, Efficiency and Voice: Designing the Second Generation of Reforms. Banco Mundial. 1998.

66 ver os exemplos da Venezuela e do Honduras. Fichas # 7 et # 8. Segunda parte do caderno.

67 ver a ficha # 6. DAO THE TUAN. Vietnã. Reformas agrárias sucessivas e sucesso da agricultura familiar. Ver também na terceira parte do caderno as fichas DPH 2029 et 2040 redigidas por DIDERON, Sylvie. China. Lembranças do velho Li, camponês pobre do norte da China e Sistema fundiário e sistemas de contratos de produção entre o Estado e os camponeses na China: exemplo de Bozhou, cantão da planície do Norte.

68 Encontra-se no pequeno livro Les politiques agraires de Marc Dufumier (Paris, PUF, 1986) um bom apanhado da diversidade das reformas agrárias.

69 ver ficha correspondente, segunda parte do caderno.

70 numeros dados por Peter Rosset em Acceso a la tierra: reforma agraria y seguridad de la presencia. Cumbre Mundial sobre la Alimentación: cinco años después. Aportaciones de la sociedad civil/estudios monográficos. Outubro de 2001. Documento para a discussão.

71 Todavia, a coordenação e a articulação das lutas com o outro grande movimento que reúne os pequenos agricultores no Brasil, a CONTAG, ainda permanece bastante difícil. Podemos ver, nisso, uma herança da forma como se opuseram ideologicamente mercados e reforma agrária, produção coletiva e produção camponesa.

72 Deininger Klaus. Making negotiated land reform work: Initial experience from Colombia, Brazil, and South Africa. 1999. Banco Mundial.

73 (tradução da redação do caderno) Land institutions and land policy. Creating and sustaining synergies between state, community, and market. A policy research report. 2001. Banco Mundial.

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