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Version française de cette page : Cahier de propositions POLITIQUES FONCIERES ET REFORMES AGRAIRES. Partie I. Question 3: Reconnaissance des diversités culturelles et historiques et gestion des territoires
Rédigé par : Michel Merlet
Date de rédaction :
Organismes : Institut de Recherche et d’Applications des Méthodes de Développement (IRAM), Réseau Agriculture Paysanne et Modernisation (APM), Fondation Charles Léopold Mayer pour le Progrès de l’Homme (FPH), Association pour contribuer à l’Amélioration de la Gouvernance de la Terre, de l’Eau et des Ressources naturelles (AGTER), Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD)
Type de document : Étude / travail de recherche
Merlet, Michel. Caderno de propostas. Políticas fundiárias e reformas agrárias. Versão em português. Dezembro de 2006. (Baixar o documento em português)
O exame dos dois primeiros assuntos, o do reconhecimento dos direitos sobre a terra e o da otimização do acesso à terra, nos levou a nos questionarmos a respeito, nos dois casos, do problema do governo local, ou em outras palavras da capacidade das populações em estabelecer regras permitindo administrar de uma forma sustentável e socialmente satisfatórias os recursos naturais e a terra. Este terceiro assunto retoma o tema relativo à governança, ampliando também a abordagem.
Por tratar-se de um assunto fundamental que ultrapassa o que está em jogo nos dois primeiros assuntos estimamos que sería necessário tratá-lo à parte. Entretanto, no âmbito deste caderno, só podemos abordar o tema de uma forma rápida. Pelo sua grande complexidade e seu caráter muito sensível no plano social e político seria bom poder tratá-lo num espaço muito mais importante. Então, só faremos aqui, uma curta introdução ao debate, esperando poder aprofundar num trabalho posterior.
Reconhecimento e delimitação dos territórios indígenas
A idéia da necessidade do reconhecimento dos Povos Indígenas e de seus direitos sobre seus territórios ancestrais ganhou força, aos poucos, ao longo das últimas décadas. O artigo 14 da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho , adotado em junho de 1989 em Genebra, é claro neste ponto: ela obriga os países signatários a reconhecer e proteger os direitos de propriedade ou de uso dos povos indígenas sobre as terras que eles ocupam tradicionalmente .
As instituições internacionais dão apoio a um certo número de projetos visando a delimitação dos territórios indígenas . Um certo número de países começa a reconhecer os direitos dos povos indígenas sobre grandes extensões de terras, com modalidades diversas e graus de autonomia muito diferentes . De uma forma geral, a questão dos territórios indígenas continua atualmente na origem de inúmeros conflitos e, com muita freqüência, a forma como os regulamentos específicos e aqueles correlacionados à terra são definidos não leva em consideração as evoluções e os verdadeiros interesses dos habitantes. O grau de autonomia dado à populações permanece, freqüentemente, insuficiente, da mesma forma que os apoios que lhes permitiriam melhor se estruturar e modernizar suas formas de governo.
Reconhecimento da diversidade cultural
A ligação entre um grupo étnico e um território ancestral é, freqüentemente, complexa e vários grupos sociais ou étnico podem ter direitos sobre um mesmo território.
O exemplo da articulação entre os pastores nômades, (Peuhls, Touaregs, em particular) e os agricultores do Sul do Saara ilustra bem as situações deste tipo. André Marty, na ficha # 2 da segunda parte desde caderno. apresenta a dificuldade das sociedades pastorais em ser reconhecidas verdadeiramente na sua diferença. A definição de um território não pode, aqui, ser feita de forma simples, traçando limites claros e precisos. Os percursos evoluem segundo as características climáticas. Os direitos de acesso às pastagens e à água são compartilhados e novas complementaridades entre pastores nómades e agricultores sedentarios devem ser encontradas permanentemente.
Um problema mais geral de governança local
A reflexão que nós realizamos nos leva, naturalmente, a não considerar a reivindicação territorial dos povos indígenas como sendo de natureza diferente das necessidades das populações que não se definem como sendo indígenas.
Em todos os casos, que se trate de « minorias » étnicas ou de populações mestiças ou pertencentes aos grupos majoritários dominantes, constatamos a necessidade de níveis intermediários de gestão da estrutura fundiária e dos recursos e, portanto, de uma governança local efetiva.
A diferença fundamental é que os grupos indígenas conservaram, pelo fato de sua cultura própria, de suas lutas para exístir, uma consciência aguçada de sua diferença e de sues próprios valores. Souberam, freqüentemente, conservar regras sociais internas, mecanismos de resoluções de conflitos, costumes e usos constituindo um capital social visível, podendo ser reconhecido como tal, não só por eles próprios, mas também pelos demais grupos sociais. Se, como sublinhamos, esses sistemas específicos de organização social e de pensamento, esses mecanismos de poder local originais e « tradicionais » nem sempre conseguem adaptar-se às mudanças do meio social e econômico de maneira suficientemente rápida, eles existem e servem como base para o combate pelo seu reconhecimento. A situação é mais complexa nos casos das sociedades mestiças que não podem ligar-se a uma cultura e uma estrutura social tradicional.
Há também « costumes e usos », regras aceitas localmente por todos, mecanismos de mediação dos conflitos nas sociedades rurais que não reivindicam sua ligação a um grupo indígena particular, mas têm um maior grau de dificuldade para seu reconhecimento.
Neste sentido, a necessidade de criar ou de recriar, em nível local, mecanismos de governança é geral. Em todos os casos, vimos que uma parte dos direitos sobre a terra não pode ser individualizada, nem transformada numa mercadoria. Esta parte comum, que varia segundo as culturas e a história da cada população, constitui a base do « território » no qual uma população deve poder exercer seu controle, ditando políticas específicas. Mas, se essa « autonomia » relativa articula-se segundo os casos de formas muito diversas com níveis mais elevados, os Estados, e com instâncias em construção juntando vários Estados (e pode ir até a escala do planeta inteiro), nós vimos que sua existência é sempre necessária.
88 Esta convenção só foi ratificada por 14 países no ano 2000.
89 Mas não é verdadeiramente em termos de direitos de propriedade e de uso que convém raciocinar neste caso. A recomendação contida neste mesmo artigo 14, a fim de zelar para proteger também o acesso dos indígenas às terras que não são exclusivamente ocupadas pelos mesmos, mas que usam para suas atividades tradicionais e sua sobrevivência, com uma menção especifica para os povos nômades e os agricultores itinerantes, não fornece muito mais elementos para poder avançar
90 O Banco Mundial, por exemplo, reserva um lugar importante à delimitação das terras indígenas no seu projeto sobre a terra na Nicarágua. Mas o regime sobre as terras das comunidades indígenas neste país, como em muitos outros, permanece definido de uma forma bastante insatisfatória.
91 O Panamá tem, por exemplo, um estatuto particular no que diz respeito aos territórios indígenas que ele reconhece (comarcas). Ver também a experiência canadense. A lei INRA na Bolívia reconhece os direitos dos povos indígenas sobre suas terras comunitárias de origem, mas sua aplicação causou uma série de problemas.